sexta-feira, 26 de março de 2010

O egoísmo impensado

Ele admirava o céu. Com os olhos cerrados, suas pálpebras quase distorciam a visão daquele intenso azul.
Ela desenrolava e enrolava as pontas dos cabelos por entre os dedos. Enquanto que, com a outra mão, servia-o de um cafuné. Passeando com as pontas dos dedos por toda a lateral de sua cabeça.

Ele, deitado no colo dela.
Ela, imaginando se ele já dormira.

Com os olhos ainda semi-abertos, ele apenas fingia o sono. Estava abstraindo e observando as folhas da árvore em que ela se encostara.
E, ainda no constante movimento entre os dedos, ela o observava. Na verdade, já estava a tanto observando que a imagem se tornara desfocada. Pois então, ela apenas fingia observar. Queria uma brecha para poder dizer. Um efêmero espaço de tempo. Isso já seria o suficiente.

Após viajar num espaço atemporal de imaginação, sonhos e verdades. O rapaz já estava em seu estado de consciência de não ter mais o que analisar sobre aquilo que via. Como tomar por si o fato de que pensar mais seria impossível. Já pensara no que queria e que não queria.
Ela continuava a silenciar sua espera. O silêncio que precedia o argumento.

É então que ele, sem suportar mais a guarda de fingir o sono, busca a intenção do contato.

- Pois é...

Sem saber como reagir, ela permanece em seu estado de semi-impulsão. Não esperava algo assim. Abstraído demais. Preferia a concretização das ideias. Mas já era tarde, já era chegada a hora. Ela pensou em respirar uma ou duas vezes. Por fim, disse sem respirar. Em um só fôlego que já estava guardado em seus pulmões.

- Você tem sentimentos? Quero dizer... Por mim?

Ele não se surpreendia com quase nada. Continuou sem se surpreender. Não que a frieza viesse da ideia de já esperar aquela pergunta. Apenas pelo fato de não se surpreender e fim.

- Claro que tenho. E os tenhos por você.

Ele sorri como se tivesse o poder, com algumas palavras, de convencer qualquer coisa a qualquer ser pensante que estivesse ouvindo.
Ela, sem se contentar, se esforça em continuar.

- Pois se é tão claro, por que não desmontra? Não vejo isso assim, tão nítido.

Desta vez é ele que pensa em respirar. Não duas vezes, talvez três. A realidade é que ele fora, de fato, surpreendido desta vez. Esperava que seu poder de convencimento tivesse êxito ali. Mas não tivera. Esqueceu o que pensou. Acabou respirando cinco vezes ou mais.
Fixou novamente os olhos naquele infinito azulado. Que, aos poucos, se esbranquiçáva.
Retomou a linha de pensamentos, transformou-os mentalmente em palavras e os libertou aos poucos.

- O fato é que eu prezo, zelo e cuido desse sentimento que tenho. Por isso, prefiro guardá-lo.

-Estranho...

- Eu sinto que me pedir para confiá-lo à outro alguém é como pedir um pedaço meu.
Mesmo que esse outro alguém seja você. Ao meu ver, ninguém é capaz de dar o devido valor à este sentimento. Ninguém além de mim. Pois então, a questão da confiança torna-se muito específica. Você compreende?

- Não.

Ela se sentira quase insultada. Avaliou mentalmente palavra por palavra.
Ele, de fato, se sentira insultado com aquela avaliação às suas ideias.

- Como confiar algo tão imporante e essencial para mim à alguém?

- Apenas confie...

- 'Confiar', eis a palavra chave de qualquer relação, de qualquer espécie. Confiar meus sonhos, confiar meus segredos mais íntimos.
Tudo pode ser impensado. Menos este sentimento que eu guardo com o coração e cuido com a vida. Isso sim, é complicado de pensar em se confiar.

- Sei.

Ela finge iniciar um processo qualquer de compreensão.
Ele finge não ter escutado coisa alguma e prossegue.

- Não é como doar um órgão ou seu sangue. É, talvez, mais importante do que tudo isso. Quando paro para pensar no terror de perder esse sentimento, acabo por não me permitir pensar em coisa alguma. É esse sentimento que me alimenta. Dependo dele tanto quanto o sustento dentro de mim. Não divido, não troco, não confio. Só isso.

Interpretando tudo aquilo. Filtrando e vendo que não havia o que filtrar. Ela se conscientiza do pensamento ali dimensionado por ele.
Aliviado. Vê seu poder de convencimento tomando forma e contorno. A prepotência se faz presente. E ali, ele se sente como um rei. Até que...

- Nossa, você é realmente egoísta. Sabia?

Ela aguarda, com as mãos abaixadas. Como se desistisse. Abaixara sua guarda. Disse o que poderia ter dito.
Ele, agora, mantém os olhos bem abertos. Se vê fitando os olhos dela. Concentra-se e se sente impotente diante do pensamento. Agora não poderia pensar. Ela é quem pensara. E ele, apenas poderia responder.

-É, talvez você tenha razão...

domingo, 14 de março de 2010

O segredo do Espelho

E ela ficava ali sentada, fitando o Espelho.
Se perguntando quantas mais poderiam existir além dela.

Já era hábito antigo, tornára-se algo comum. Refletir sobre o próprio reflexo. Até o ponto em que já não via uma imagem, sabia que enxergava além, ou simplesmente, não enxergava. Ou não refletia.
A ideia da visão da imagem era muito simples. Ela queria mais, sabia que aquele pedaço vazio podia lhe dar mais. Ele lhe devia aquela explicação.

Recordava dos momentos da infância em que se via sentada, de frente ao espelho do quarto. Moldurado, madeira de carvalho. Claro que não sabia se era carvalho, mas queria acreditar que era. Baseáva-se no pensamento de que somente uma madeira vinda de uma árvore com a grandeza e a beleza de um carvalho era capaz e digna de deter a incrível extensão do Espelho.
Era óbvio que o Espelho não acabava ali. Ele se continha, ele estava simplesmente preso ali.
Ah, mas ela sabia que ele não terminara, não ali.

Será que só ela compreendia o fato de que, no fundo, ninguém compreendia a total profundidade do Espelho?
Não importa, deixe eles se enganarem. Ela jamais caíra ao engano.
De certo que, no fim, ela se sentia enganada por ele. Já não bastava ficar ali fitando aquele pequeno grande pedaço translúcido e refletor. Ele ainda lhe devia explicações. Sentia, sem saber como sabia sentir, que ele não era sincero.
Aquela imagem, aquele estranho desenho de jeans azul e camisa branca. Os detalhes bordados, os minuciosos tons de castanho ao longo do cabelo. Tudo aquilo parecia tão irreal.
Não importa se a imagem era tão fiel, ela sabia sentir que não era.

Daria sua vida para poder estar do outro lado. Poder estar como ele, ver exatamente como ele via. Só assim ela sentiria e saberia a verdade. Não confiava naquela imagem. Precisava da verdade. Doesse o que tivesse de doer para poder, assim, ver.

Por certo momento se viu tomada pela raiva. Maldito seja, espelho mentiroso. Omiti de nós nossas verdadeira imagens! Guarda para si o orgulho de ser o único a enxergar o mundo mais real que o reflexo do mundo real.
Mas aí então, a raiva passava. Ela o compreendia. Ele queria era guardar segredos. E o segredo bem guardado é aquele que se esconde numa caixa, de preferência, de carvalho.
De fato todos têm seus segredos. Mas ninguém sabe. Se soubessem, não seriam mais segredos. Ela tinha, outros tinham e ele, o Espelho, tinha.
O passo da compreensão era anterior e muito próximo ao passo do perdão.

Ela o perdoára. Ele nos escondia de nós mesmos. Devia ter seus motivos...
Não, é claro que tinha motivos! Ela sabia que os tinha, mas escondeu este segredo.
O segredo de saber que haviam motivos. E agora, este era o seu segredo para guardar junto ao seu próprio orgulho. O orgulho de também possuir algo secreto.
Então veja, Espelho, que não é só você que tem seus segredos.

_____

"Esta perseguição foi inspirada e dedicada às ideias de Carolina Alves.
Uma amiga de grandiosas ideias e de um dos mais belos corações que já conheci."

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Por onde começo?

Acho que a ansiedade criada pelo início de qualquer etapa ou fase na vida é o que dá força para tornar constante a vontade de permanecer naquele estado. Mesmo que já tenha se iniciado, mesmo que o início em si não tenha agradado, aquele friozinho na barriga, aquela perturbação momentânea de qual pé que terá a ousadia de começar a tão esperada caminhada, são todos combustíveis válidos para sequenciar a trajetória do que está para se criar.

Antes de expôr qualquer coisa aqui, acho sensato de minha parte explicar que este blog tem como objetivo me ajudar, como um auxílio quase que diário, dando ânimo para que eu persiga minhas ideias. Das malucas às mais sensatas possíveis, todo e qualquer pensamento efêmero que passar pela minha mente eu vou buscar anotar ou guardar. Assim eu posso, fazendo uma pré-seleção é claro, trazer e compartilhar as que eu tiver maior consideração.
Essa é a função do 'Perseguinho ideias...', eu as persigo, caço e exponho aqui.

Para iniciar então, postarei um texto que considero um ânimo por si só. Ele sempre me ajudou com meus anos novos que estavam por vir. Acho que ele inspira aquele sentimento de seguir em frente e ver no que dá, porque afinal de contas e ao final dos contos, viver é simplesmente a consequência de uma vida.
Ele não tem título, então qualquer sugestão é bem-vinda, haha. Espero que gostem:

"Engraçado como o tempo corre e a gente nem percebe o quanto ele nos envelhece, fortalece e nos torna algo mais verdadeiro para si próprio.
Desvendamos, a cada dia, um mistério de nós mesmos.

O tempo passa, isso é algo que todos nós temos de perceber e encarar.
Que bons ou mals momentos que nos tornaram o que somos hoje são apenas, então, boas e más lembranças em nossas mentes.

Vou sentir saudades desses tempos atuais, tanto quanto encaro que os tempos infantis também já passaram.
Espero apenas poder me fortalecer dessas lembranças todos os dias da minha vida."